‘Golpe da ação’ foca descuido de aposentados
Suposta assessoria de previdência envia carta para informar sobre ganho de causa, mas cobra custas processuais para falsa liberação de valor
Uma modalidade de golpe que já fez vítimas no passado volta a ameaçar os aposentados. Eles são contatados por meio de carta pelos estelionatários, que informam a vitória em uma ação coletiva, com direito a receber quantias substanciais em dinheiro. Quando o aposentado faz contato com o golpista, é extorquido para que a falsa liberação dos valores seja realizada.
Na semana passada, uma aposentada de 72 anos, que preferiu manter o anonimato, só não foi lesada porque desconfiou do golpe e procurou a ajuda de uma advogada. O documento enviado para seu endereço residencial informava que ela tinha R$ 64.892,00 a receber por uma suposta ação movida contra uma suposta Previdência Privada Pecúlio e Pensão do Fundo de Reserva Técnica.
Para dar credibilidade ao texto, a carta continha o brasão da República e era assinada por uma empresa de assessoria jurídica de Barueri (SP). Como o marido da aposentada, ex-ferroviário falecido há dois anos, havia ingressado com uma ação trabalhista contra a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), ela acreditou que a carta poderia estar relacionada ao respectivo processo judicial.
“Como não sou parte de nenhuma ação, imaginei que só poderia ser do meu marido e, por ele ter falecido, tivesse ficado em meu nome. Mas a carta não citava a Noroeste. Fiquei na dúvida”, conta.
O texto informava que o pagamento da indenização poderia ser feito por transação bancária no prazo máximo de cinco dias úteis, mas estava condicionado ao pagamento de “custas processuais” no valor de R$ 7.192,00. A aposentada tentou ligar nos números de telefone informados pelo documento, mas ninguém atendeu.
Indícios
Foi, então, que procurou a ajuda da advogada do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, Lilian Zanetti. E ela foi clara: tratava-se, de fato, de uma tentativa de golpe.
“É bastante comum contra aposentados. Depois que a vítima faz contato, o estelionatário faz o depósito bloqueado em conta, alertando que a liberação só ocorrerá após o pagamento das custas. Quando a vítima quita o valor, descobre que o envelope depositado estava vazio (ou com um cheque sem fundos)”, comenta, destacando que, habitualmente, partes vitoriosas em ações não devem arcar com custas processuais.
Outro detalhe que levanta suspeita imediata é o fato de a “decisão judicial” ter sido informada por uma empresa (e não pela Justiça) e por carta, enviada diretamente ao beneficiário. “Não é um procedimento comum. Geralmente, o advogado é contatado”, observa. Devido à desconfiança, o departamento jurídico do sindicato realizou algumas pesquisas e descobriu que o nome da advogada que assinava a carta não consta no cadastro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Da mesma forma, ficou constatado que o endereço da sede da empresa de assessoria jurídica também não existia.
Na última quarta (27/05), a reportagem ligou para um dos números informados na carta e chegou a falar com uma atendente, que pediu para que retornasse a ligação dentro de 20 minutos. Depois disso, as chamadas não foram mais atendidas.
Erros de português
Apesar da tentativa de usar uma linguagem rebuscada para confundir e convencer a vítima, os estelionatários “derraparam” por diversas vezes no Português, em demonstração clara de que a carta realmente era ilegítima. Entre os erros, apenas para citar alguns exemplos, havia “pagamentos indenizatório”, “ação publica (sem acento)”, “venho informa” e “transito julgado (e não trânsito em julgado)”.
Outras vítimas
Em setembro de 2012, o JC já havia publicado matéria para alertar sobre o golpe, que quase vitimou, à época, duas professoras aposentadas. Uma delas, de 63 anos, deveria pagar R$ 6.487,60 para o desbloqueio de um cheque no valor de R$ 49.576,00, depositado em sua conta corrente.
Desconfiada, ela sugeriu que a quantia das custas processuais fosse descontada do montante a ser recebido na ação. A proposta, é claro, não foi aceita pelo estelionatária. A mulher, segundo a vítima, chegou a ameaçá-la, dizendo que a professora aposentada agia de má-fé e que, por este motivo, iria registrar um boletim de ocorrência contra ela “por não ter respeitado a lei”.
(Tisa Moraes - JC Net | 2 de junho de 2015)